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Infância de um surdo

Paulo Cesar da Silva Gonçalves, um psicólogo especialista em atendimento aos surdos, o qual citei no post anterior, disse: "A falta de comunicação, o isolamento, o preconceito, fazem do surdo um ser dependente do ouvinte, ainda que tenha conseguido avançar em sua educação e desenvolvimento cognitivo". Eu concordo totalmente com essa frase, e é por meio dela que gostaria de começar o post de hoje. Muitos me perguntam como foi a minha infância. Atualmente minha vida é difícil, e acabavam por perguntar se quando criança era assim também. E digo: não. Foi pior. Mas não triste. A dificuldade é que foi pior. E imagino que para grande parte dos surdos também.



Quando digo que o mundo dos surdos ainda é novo para muita gente, isso inclui na ciência também. Quando eu era criança, os aparelhos auditivos ainda eram limitados. Apesar de fazer uma grande diferença do que quando eu não os usava, ainda assim não era o suficiente. Não entendia muita gente, não escutava música, não via filmes, e por aí vai, o que me caracterizou como uma criança e adolescente antissocial. Tudo que eu fazia era ler e desenhar (inclusive, chegava a ler um livro por hora, de tanto que eu lia. Sem exagero).  Minha infância se baseou principalmente nessas atividades, pois não me comunicava direito por não escutar e, mesmo tentando, existia gente que não tinha paciência comigo. Não me pergunte porquê. Apesar disso, brincava na rua com muitas crianças, mas em atividades que exigiam quase nenhuma comunicação. Na pré-adolescência, raramente saía de casa, o que causou bastantes brigas com minha família, que pensava que o isolamento era uma escolha minha e não entendia minhas dificuldades. De fato, passava a maior parte do tempo dentro de casa, sem sair com amigos.

Minha vida social só começou realmente depois dos 15 anos, quando coloquei o primeiro implante coclear. Foi a partir daí que consegui fazer amigos, sair de casa sozinho pela primeira vez, ficar com garotas, como todo jovem quis alguma vez, e ir em festas. Não sei se gosto muito de toda essa socialização, pois enfrentei (e ainda enfrento) dificuldades, principalmente em festas, porque eu realmente não escuto com a música alta, mas, definitivamente, sou grato ao implante. E, claro, conquistei minha primeira namorada 4 anos depois dele, com a qual estou junto até hoje.

Infelizmente, um só implante coclear não ajuda a satisfazer minhas necessidades, como um curso superior. No ensino fundamental e médio, já não conseguia escutar totalmente os professores e perdia muito conteúdo importante. Sabe-se lá como me formei. Já a faculdade, atualmente, não consigo cursar (não foi por falta de tentativa) o que me deixa bastante infeliz, e me faz pensar em algum caminho alternativo para conseguir me sustentar na vida.

Enfim, ainda hoje, existem vestígios da minha infância. As atividades que mais fazia antes, hoje são notáveis na minha vida. A leitura me possibilitou um desenvolvimento cognitivo ótimo, já que a escola não cumpriu seu papel comigo; possibilitou também uma educação quase completamente diferente da dos meus pais (tenho pensamentos muitos diferentes dos deles). Somado a isso, desenvolvi uma leve habilidade e facilidade com o desenho, mas não profissional ainda. Também não tenho amigos de infância e até hoje sou mais antissocial que muita gente, mas estou lutando contra isso.

Essa foi a minha infância, e espero que abram a mente de vocês que acham que ser surdo é o menor do males. Espero que tenham gostado, e até o próximo post!

Um comentário:

  1. eu tenho orgulho de ter participado da sua infância e ver o quanto cresceu não só fisicamente, você é sensacional! Sabe como você se formou? Você sempre foi esforçado, queria sim ter um futuro e nada te impedia isso. Brigamos muito como crianças normais, mas sempre estive lá pra te defender quando necessário e sempre vou estar. Parabéns pelo blog, você vai longe! E amei a parte do desenho não ser profissional AINDA, porque talento você tem de sobra. Beijos e muito sucesso.

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