Dificuldades da vida escolar

Qual a primeira coisa que todos pensam quando citam a palavra "surdos"? Se você disse "libras", acertou. Podem até existir algumas pessoas que não, mas a maioria sim, e quando pensam em inclusão de deficientes auditivos na vida acadêmica, não é diferente. Antes de falar sobre nossa dificuldade, gostaria de ressaltar que eu pesquiso antes de escrever qualquer post. Este não foi diferente. Notei que, infelizmente, não há uma visão própria dos surdos sobre o ensino. Tudo que encontro são projetos de inclusão com intérprete de libras. Porém, é bem mais complexo que somente ter um tradutor. Não me entendam mal, adoro esse projeto tomando um alcance enorme. O que estou ressaltando aqui é que somente isso não é suficiente para todos os surdos. 

Este post é para quebrar a normalidade desse pensamento e ver que nem tudo é assim. E é assim que começamos o assunto de hoje. 

No meu caso, nunca aprendi libras porque meus pais não investiram, por acharem que eu já falo muito bem. Hoje, percebo que libras não é só pra falar, mas pra entender também. Nas aulas, eu não escutava os professores direito e perdia muito conteúdo. Mais de 50% das falas eram perdidas por mim, o que dificultou bastante, mesmo sentando na primeira carteira. Era complicado tirar boas notas, mas nunca repeti de ano (que bom :P). Contudo, não foi somente no aprendizado que tive dificuldade. A socialização, que é um importante requisito para ter uma boa vida escolar (eu acho, pelo menos) foi o meu maior obstáculo. Muitos alunos não entendiam como era a minha dificuldade em ouvi-los, mesmo explicando com detalhes. Simplesmente esqueciam ou achavam que era frescura. Dou graças que não foram todos.

No ensino fundamental, tive dois amigos que entendiam, e um deles sempre me perguntava como funciona a minha audição, possibilitando que ele pudesse ter mais atenção ao conversar comigo. Já no ensino médio, poucas garotas entendiam e conversavam direitinho comigo, mas preferiam andar com outras meninas. Ainda assim, sou grato por elas. Sobre os garotos, sempre faziam aquelas brincadeiras de mal gosto com quem não entende o que foi dito(partindo para muitos xingamentos que não pretendo repetir aqui), e acabei me excluindo para evitar desgostos. É daí que veio a minha característica de reservado. Então, mesmo que eu soubesse libras, ia ser complicado do mesmo jeito, pois nenhum aluno sabia. O que mais me marcou foi esse bullying, e acredito que para grande parte dos surdos também.

Na faculdade, com maior maturidade, mais colegas entendiam a minha surdez e tiveram paciência comigo. O que me marcou nessa época, e ainda marca, foi não conseguir estudar por perder muito conteúdo do professor. A partir daí que libras seria ótima pra mim, e hoje pretendo aprender. Porém, conversei com alguns universitários surdos da minha cidade, e vi que muitos se encontram na minha condição também, o que deixa este post mais sólido. Um deles falou que sua leitura labial é ótima (melhor que a minha, pelo que parece), e só por isso consegue cursar. O problema é quando o professor é idoso (que tem pouca articulação com a boca) ou quando passa um vídeo. Isso pra não falar de quando os professores viram as costas pra escrever no quadro. 

Assim é a dificuldade dos surdos oralizados (surdos que falam normalmente, como eu). Não basta somente incluir um intérprete de libras. Um professor particular resolveria, mas muitos deficientes não têm condições para tal investimento, infelizmente. Uma monitoria à disposição e salas de aula menores (para que não tenham tantos alunos e o professor não esteja tão disperso) ajudam, porém não resolve pra mim. Por isso estou impossibilitado de frequentar um curso superior agora, e, consequentemente, disputar uma boa posição no mercado de trabalho. Mas isso é assunto pra outro post.

Novamente, gostaria de ressaltar que não estou sendo contra libras. Estou sendo contra o pensamento de que surdo=libras :P.

Muito obrigado por ter lido até aqui, e até a próxima!